quarta-feira, dezembro 01, 2004

Diga uma coisa. Diga se o marxismo proíbe comer vidro. Quero saber.
Foi em meados de 1970, no oriente de Cuba. O homem estava lá, plantado na porta, esperando. Pedi desculpas. Disse a ele que era pouco o que eu entendia de marxismo, uma coisinha ou outra, pouquinha, e que era melhor consultar um especialista em Havana.
- Já me levaram para Havana - disse -. Os médicos de lá me examinaram. E também o comandante. Fidel me perguntou: "Vem cá, será que o seu caso não é de ignorância?"
Porque comia vidro, tinham tomado seu carnê da Juventude Comunista:
- Aqui, em Baracoa, abriram um processo.
Trígimo Suárez era miliciano exemplar, cortador de cana de primeira fila e trabalhador de vanguarda, desses que trabalham vinte horas e recebem oito, sempre o primeiro a acudir para tomar cana ou atirar tiros, mas tinha paixão pelo vidro:
- Não é vício - explicou -. É necessidade.
Quando Trígimo era mobilizado para colheita ou guerra, a mãe enchia sua mochila de comida: punha algumas garrafas vazias, para o almoço e o jantar, e de sobremesa, tubo de lâmpadas queimadas, para o lanche.
Trígimo me levou na casa dele, no bairro Camilo Cienfuegos, em Baracoa. Enquanto conversávamos, eu bebia café e ele comia lâmpadas. Depois de acabar com o vidro, chupava, guloso, os filamentos.
- O vidro me chama. Eu amo o vidro como amo a revolução.
Trígimo afirmava que não havia nenhuma sombra em seu passado. Ele nunca tinha comido vidro alheio, exceto uma vez, uma vez só, quando estava louco de fome devorou os óculos de um companheiro de trabalho.

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